Vivemos uma transformação profunda como sociedade. Talvez silenciosa para alguns que ainda permanecem apegados a antigas formas de pensar, mas ela está acontecendo rapidamente e impactando o no nosso comportamento como sociedade e, consequentemente, o mercado e a forma como empresas se posicionam diante de seus consumidores e colaboradores. Em um mundo cada vez mais automatizado e digital, o que tem se destacado não é apenas a eficiência operacional ou o avanço tecnológico, mas a nossa capacidade de desenvolver e valorizar a inteligência emocional, social e ambiental.
Empresas varejistas e toda a cadeia de valor que alimenta esse mercado são as maiores impactadas e já sentem a necessidade de fazer diferente com seus colaboradores e clientes.
As inteligências emocional, social e ambiental representam competências humanas essenciais para o presente e o futuro do trabalho. Com a aceleração da tecnologia são as competências que nos fazem mais humanos as que serão cada vez mais valorizadas e necessárias. Presente e futuro são sobre conexão, em um sentido amplo.
A inteligência emocional diz respeito à capacidade de reconhecer, compreender e gerenciar as próprias emoções, além de saber agir de forma apropriada às reações dos outros, promovendo relações mais saudáveis e empáticas. A inteligência social amplia esse olhar para a construção de conexões interpessoais, cooperação e atuação ética em grupo. Já a inteligência ambiental envolve a consciência do impacto das ações humanas no planeta e o comprometimento com práticas sustentáveis que respeitam os limites ecológicos de diferentes ecossistemas. Juntas, essas inteligências estão moldando a sociedade em nível local e global e são a base de uma cultura organizacional mais consciente, resiliente e conectada com as necessidades da sociedade no presente e no futuro.
Essa transformação foi acelerada especialmente pela pandemia de covid-19 que desencadeou crises locais e globais, fazendo com que as pessoas passassem a perceber a importância de cuidarem mais umas das outros e do planeta em si. O avanço acelerado da tecnologia surge como um dos meios e ferramentas nesse processo, além da exigência de discursos e práticas mais verdadeiras, tanto dos círculos mais próximos de familiares e amigos quanto dentro das próprias empresas. Assim, a mudança vai se enraizando cada vez mais profundamente e de forma estrutural. Vejamos alguns casos e situações:
Crises globais que exigem respostas mais humanas
A pandemia de covid-19 e os efeitos das mudanças climáticas aceleraram a necessidade de respostas mais humanas. O cuidado com a saúde mental, a empatia nas relações e a responsabilidade ambiental passaram a ser pilares fundamentais para a continuidade dos negócios. Um excelente exemplo foi a Natura, que percebeu a necessidade das pessoas pelo autocuidado e garantiu crescimento na empresa, mesmo durante a pandemia. A empresa possui por hábito desenvolver produtos com base em escuta ativa de seus consumidores, promovendo conexões mais profundas e humanas. Essa prática elevou a satisfação dos clientes em 30% e impulsionou as vendas em 20%.
Mudança de expectativas da força de trabalho
As novas gerações exigem ambientes de trabalho mais saudáveis, inclusivos e com propósito. A retenção de talentos e o engajamento estão diretamente ligados à forma como as empresas cuidam de seus times. A Magazine Luiza, por exemplo, trabalha com práticas de feedback contínuo e escuta ativa, conquistando um aumento de 25% nos níveis de engajamento dos colaboradores.
Avanço da tecnologia e a ascensão da IA
Enquanto a IA assume tarefas técnicas, ganham destaque as habilidades humanas, como empatia, escuta e colaboração. Essas competências se tornam essenciais para o futuro do trabalho. A Avon, por meio de sua plataforma de aprendizado digital, combinou conteúdos sobre inteligência emocional com a análise de dados comportamentais de suas revendedoras, personalizando trilhas de capacitação e fortalecendo o vínculo humano com o uso estratégico da tecnologia. Essa integração entre Inteligência Artificial (IA) e Inteligência Emocional (IE) permitiu identificar perfis, preferências e necessidades de desenvolvimento com mais precisão, tornando a experiência de aprendizagem mais relevante e efetiva. Com treinamentos em inteligência emocional para suas equipes de vendas, a Avon aumentou em 20% suas vendas e melhorou a satisfação dos clientes.
Pressão social por coerência entre discurso e prática
Consumidores e colaboradores cobram autenticidade e coerência. Empresas que tratam bem as pessoas e o meio ambiente, e fazem disso o seu propósito real, indo além das ações de marketing, ganham reputação e fidelidade. A rede carioca Drogaria Venâncio se posiciona como exemplo de responsabilidade socioambiental ao manter três usinas de energia solar, produzindo 80% da energia consumida pela rede, com previsão de atingir 100% até o final do ano. Além disso, promove o projeto “Saúde na Praça”, incentivando exercícios físicos gratuitos em praças do Rio de Janeiro.
Reconhecimento científico e educacional do valor da IE
Cada vez mais, a ciência e a educação comprovam que lideranças com inteligência emocional geram melhores resultados em produtividade, clima organizacional e inovação. A varejista britânica Selfridges (rede de lojas de departamento focada em artigos de luxo) está transformando suas práticas de consumo e relacionamento com base em sustentabilidade e valores humanos com o “Project Earth”. A iniciativa promove experiências educativas, exposições imersivas e programas de capacitação sobre consumo consciente para colaboradores e clientes. Ao integrar ciência, arte e comportamento em seus espaços físicos e campanhas, a Selfridges contribui para uma cultura organizacional mais sensível às questões socioambientais e emocionalmente conectada aos desafios, a nível local e global.
Mais do que nunca, clientes e colaboradores querem se relacionar com marcas que espelham seus valores. O futuro do varejo está sendo moldado por empresas que entendem que, por trás de cada interação, existe um ser humano. E é essa humanização que está redefinindo o sucesso nos negócios.
Roberta Andrade é diretora de Educação Corporativa e sócia da One Friedman e da Gonow1.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo
Imagem: Envato